ALFREDO BOSI
DIALETICA DA COLONIZAÇÃO
3ª Edição 1 - reimpressão
COMPANHIA DAS LETRAS
1 COLONIA, curro E CULTURA
O novo é para nós, contraditoriamente, a liberdade e a submissão.
Ferreira Gullar
COLO-CULTUS-CUITURA
Começar pelas palavras talvez não seja coisa vã. As relações entre os fenômenos deixam marcas no corpo da linguagem. As palavras cultura, culto e colonização derivam do mesmo verbo latino colo, cujo particípio passado é cultus e o participio futuro é culturus.
Colo significou, na língua de Roma, eumorp - eu ocupo a terra- e, por extensão, eu trabalho, eu cultivo o campo} Um herdeiro antigo de colo é incola, o habitante; outro é inquilinus, aquele que reside em terra alheia. Quanto a agrícola, já pertence a um segundo plano semântico vinculado idéia de trabalho.
A ação expressa neste colo, no chamado sistema verbal do presente, denota sempre alguma coisa de incompleto e transitivo. E o movimento que passa, ou passava, de um agente para um objeto. Colo é a matriz de colônia enquanto espaço que se está ocupando, terra ou povo que se pode trabalhar e sujeitar.
' 'Colonus é o que cultiva uma propriedade rural em vez do seu dono; o seu feitor no sentido técnico e legal da palavra. Está em Plau-to e Catão, como colônia [...]; o habitante de colônia, em grego m. apoikos, que vem estabelecer-se em lugar dos incolae'.'1
Não por acaso, sempre que se quer classificar os tipos de colonização, distinguem-se dois processos: o que se atem ao simples povoamento,
e o que conduz à exploração do solo. Colo está em ambos: eu moro; eu cultivo.
Na expressão verbal do ato de colonizar opera ainda o cóigo dos velhos romanos. E, a rigor, o que diferencia o habitar e o cultivar do colonizar? Em princípio, p deslocamento que os agentes sociais fazem do seu mundo de vida para outro onde irão exercer a capacidade dejavrar ou fazer lavrar o solo alheio. O incola que emigra torna-se colonus.
Como se fossem verdadeiros universais das sociedades humanas, a produção dos meios de vida e as relações de poder, a esfera econômica e a esfera política, reproduzem-se e potenciam-se toda vez que se põe em marcha um ciclo de colonização.
Mas o novo processo não se esgota na reiteração dos esquemas originais: há um plus estrutural de domínio, há um acrécimo de forças que se investem no desígnio do conquistador emprestando-lhe as vezes um tônus épico de risco e aventura. A colonização de um ar de recomeço e de arranque a culturas seculares.
O traço grosso da dominação é inerente às diversas formas de colonizar e, quase sempre, as sobredetermina. Tomar conta de, sentido básico de colo, importa não só em cuidar, mas também em mandar. Nem sempre, é verdade, o colonizador se verá a si mesmo como a um simples conquistador; então buscará passar aos descendentes a imagem do descobridor e do povoador, títulos a que, enquanto pioneiro, faria jus. Sabe-se que, em 1556, quando já se difundia pela Europa cristã a leyenda negra da colonização ibérica, decreta-se na Espanha a proibição oficial do uso das palavras conquista e conquistadores, que são substituídas por descubrimiento e pobladores, isto é colonos.
O surto de poderosas estruturas políticas na Antiguidade foi coe-tãneo daqueles verdadeiros complexos imperiais que se seguiram a guerras de conquista. Os impérios do Oriente Médio, de Alexandre e Romano contam-se entre as mais velhas concentrações de poder estatal que conhecemos. No caso particular de Roma, a organização central resistiu até que as invasões dos bábaros atomizaram a Europa e abriram a via de sua feudalização.
Quanto a gênese dos sistemas, há mais de uma hipótese. As tensões internas que se dão em uma determinada forma鈬o social resolvem-se, quando possível, em movimentos para fora dela enquanto de-
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sejo, busca e conquista de terras e povos colonizáveis. Assim, o desequilíbrio
demográfico terá sido uma das causas da coloniza鈬o grega no Mediterrâneo entre os séculos oitavo e sexto antes de Cristo. E a necessidade de uma saída para o comércio, durante o árduo ascenso da burguesia, entrou como fator dinâmico do expansionismo português no século XV.3 Em ambos os exemplos, a coloniza鈬o n縊 pode ser tratada como uma simples corrente migratória: ela é a resolução de carências e conflitos da matriz e uma tentativa de retomar, sob novas condições, o domínio sobre a natureza e o semelhante que tem acompanhado universalmente q chamado processo civilizatório.
Se passo agora do presente, colo, com toda a sua garra de atividade e poder imediato, para as formas nominais do verbo, cultus e cultura, tenho que me deslocar do aqui-e-agora para os regimes me.-diatizados- do passado e do futuro.
No original, não é "curro", e sim, culto. Parece que vcs pegaram o e-book da internet que está mal escaneado. Aqui está o e-book sem alterações pq foi digitalizado a imagem do livro. http://hotfile.com/dl/111553978/de25f78/Ref._8_-_BOSI_Alfredo._Dialtica_da_Colonizao.pdf.html
ResponderExcluirquais as diferenças entre colo,cutus e cultura?
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